O prédio onde temporariamente habito não parece ser muito antigo. Embora deva ser, pois o elevador é daqueles nada discretos, feitos de madeira. Sobe a tremer, como um avião em turbulência, e estaciona como um carro com travões avariados. Tudo indica que o edifício – e sobretudo o elevador – deva estar próximo de um século de existência. A Avenida Almirante Reis, onde a minha morada está edificada, foi rasgada na última década do século XIX, e é servida por uma carreira de eléctrico desde 1920.
O elevador tem uma porta e uma cortina de ferro que precisa ser puxada manualmente por quem está dentro. Caso contrário, não arranca. Andar neste elevador proporciona alguns momentos de narcisismo e de nervosismo. O espelho situado na parede central do elevador pode servir (sobretudo aos que saem de casa já atrasados) para arranjar o cabelo, tirar uma mancha de baton nos dentes. Por outro lado, há quem encontre tempo para ganhar manchas de cigarro nos dentes enquanto olham-se no espelho. Sim, apesar de estar lá o aviso «Proibido Fumar», muitas vezes o espaço cheira à fumante encurralado. A lentidão do elevador pode servir também as asas da imaginação dos mais criativos.
O elevador tem capacidade para quatro pessoas de até 80 quilos cada. É um constrangimento estar no elevador com mais pessoas, geralmente estranhos que estão de passagem pelo edifício. Às vezes é preciso prender a respiração. A probabilidade de encontrar vizinhos é mínima; com excepção do sétimo andar, o prédio não é de habitação. No primeiro andar há um «Turkish hostel», com quartos de 15 euros, no segundo uma clínica que oferece terapia de casal, e no terceiro uma escola de chinês, nos seguintes, creio que há advogados. Este edifício é sem dúvida um espaço globalizado com cara de anos 20 que serve às necessidades da sociedade móvel e contemporânea do século XXI.
Apesar de já não ser comum nos prédios lisboetas a presença de porteiros, neste edifício trabalha um zelador durante os dias de semana. Pelo que vejo, a sua função é assegurar a segurança do edifício e receber correspondência. Sempre que me vê chegar, através da porta de vidro, abre-me a porta automática carregando num botão, sem se levantar da cadeira.
Ao passar pela porta, digo-lhe «bom dia» e faço algum comentário sobre o tempo. Ele responde timidamente, incapaz de fazer contacto visual. Não consigo não pensar no livro francês A Elegância do Ouriço. Será ele um intelectual enrustido? Se sim, pelo menos a mim não me engana. Geralmente, ao atravessar a porta para dentro do edifício, sinto um alívio ao quase chegar em casa, depois de ter sobrevivido ao sol quente e às ruas escorregadias de Lisboa.
Chamo o elevador, e por um segundo pergunto-me se o que vem não será um eléctrico. O barulho da engenhoca é quase igual ao do transporte público. Enquanto o eléctrico nas ruas de Lisboa pode descarrilar, impedindo ou atrasando o itinerário dos passageiros, o elevador do meu edifício pode deixar as pessoas presas. Destinado a «estimados alunos e pais», a escola de chinês disponibilizou um aviso com instruções de como utilizar o elevador do edifício. Destaco as seguintes linhas: «...o elevador também poderá ficar preso/bloqueado. Perante esta situação, não deve mexer a grade de ferro, deve manter a calma e gritar em voz alta, para que as pessoas de foram tenham conhecimento da situação e tomar as respectivas medidas.» A escola de chinês termina o aviso com a nota: «Os alunos com idades inferiores a 14 anos, não devem utilizar elevador se não tiverem acompanhados por adultos. Por favor utilizem escadas.»
O dia em que fiquei presa não precisei gritar, porque havia uma pessoa à minha espera fora do edifício, com a qual estava a comunicar pelo Whatsapp. E foi o que me salvou. Com a minha colega de casa ainda foi pior. É canadiana, filha de emigrantes portugueses, está grávida e está em Lisboa apenas dois meses a fazer uma residência artística. Sem saber o que tinha acontecido comigo, ela contou-me a sua história, em inglês, a rir-se de nervoso. Disse que o elevador ficou a sacudi-la, a subir e a descer freneticamente entre o sétimo e quinto andar. Diz que se lembrou dos filmes de terror. No entanto, também não precisou gritar para ser resgatada. O elevador voltou à sanidade espontaneamente e ela conseguiu chegar ao chamado Estúdio 59, no sétimo andar. A canadiana levará consigo de volta para o seu país uma barriga maior, o sabor da terra dos seus pais, e a memória de que viver em Lisboa é uma forma de viver o passado feito de madeira num futuro de aço.
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Nota: Esta crónica foi escrita em Junho de 2016. O vídeo foi criado e editado com um iPhone 5.