Nestas mulheres num limiar entre idades o tempo está suspenso. Como suspensa está a memória de Sandra Rocha quando ali regressa, aos Açores que são seus. Sandra cristaliza-lhes o decurso do tempo, esse tempo cronológico, biográfico ou histórico, mas expõe os seus corpos ao tempo da ilha, ao tempo atmosférico da ilha.
A ilha também é um corpo, um corpo vulcânico vivo, em pleno oceano. Nós, humanos incautos, caminhamos sobre ela, mas este corpo natural e a atmosfera que o envolve entra em nós, afectando-nos, transformando-nos. A beleza excessiva da ilha é apenas a sua superfície (como o é a beleza destas mulheres). Ela não é passiva, não apela apenas à contemplação distanciada, recusa-se a ser mero cenário para as nossas trajectórias. As constantes alterações do tempo atmosférico no decurso de um só dia, as fortes rajadas de vento que exigem a resistência do corpo, a actividade vulcânica que nos deixou lagoas em crateras e que continua a criar águas quentes e vapores sulfurosos, a vegetação luxuriante cujo verde não conhece a pausa do inverno, a contínua viagem e transformação das nuvens, a omnipresença do mar que limita e expande, tornam a beleza da ilha dúplice – uma beleza transiente, que nos implica no permanente movimento da sua recriação.
Uma jovem quase desaparece envolvida nos vapores que a terra liberta, vapores com um forte odor a enxofre que lhe afectam os sentidos e que a sua pele absorve. A mesma mulher entra nas águas de uma cascata, cujo odor, temperatura, sonoridade e envolvente visual se entranharão também no seu corpo e espírito. Outra mulher está no meio da vegetação, que já entrou no seu corpo – embora este seja um corpo que se recolhe sobre si, sabe que não pode resistir à vegetação, por isso a acolhe, nas marcas que esta lhe deixou sobre a pele, nos materiais dela que o seu corpo recebe.
Há também a atitude contrária, advinda da necessidade do corpo se isolar e resistir. Uma mulher, de um outro tempo histórico, protege-se com o capote açoriano. Este protege-a das condições atmosféricas e dos olhares de um circuito fechado. O ângulo do seu corpo relativamente à inclinação da encosta sugere a tensão a que o meio o sujeita. Os corpos também precisam de protecção, do recolhimento numa casa que os proteja da força natural do meio, ou de fechamento sobre si, para absorver introspectivamente a interpelação da natureza. Mas as casas, como os corpos, pouco podem face à força deste tempo atmosférico, da vitalidade da vegetação nesta crosta vulcânica: a humidade é também a sua atmosfera interior, o bolor facilmente invade as paredes. Como a imagem do casulo, são permeáveis, frágeis, porosas como a pele ao meio que as envolve.